sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Estilo de vida e o que a UFABC tem a ver com isso?



Uma discussão relevante que surge neste momento é a reflexão sobre o Estilo de vida da UFABC. Gostaria de ampliá-la, pois vejo a UFABC como uma instituição que reflete valores da sociedade e do tempo em que está inserida.

Estilo de vida da UFABC? ou o Estilo de vida de nossa sociedade globalizada pós-moderna? Apenas estudar, trabalhar e estudar ou apenas trabalhar são modos de vida que as pessoas dos mais diferentes tipos irão ter e lidarão de formas diferentes.

Trabalhar ou Estudar pode ser tanto prazeroso como desgastante ou mesmo os dois ao mesmo tempo, dependendo do nível de afinidade que se têm com o meio em que se está, com as pessoas com quem se interage e com os valores pessoais de um indivíduo.

As pessoas são iguais, mais o que as torna iguais é serem diferentes. Cada um com suas limitações, formações sociais, políticas, religiosas e acadêmicas, visões de mundo, histórico de experiências, sucessos e frustrações, objetivos e ambições que fazem parte de personalidades únicas.

O discurso da meritocracia: "eu consigo, por que você não consegue", apenas contribui para reforçar a generalização das pessoas. Cada um tem um ritmo, a posição da UFABC na vida das pessoas é diferente, cada um estuda de acordo com seus objetivos subjetivos, que não cabe a análise nestas poucas linhas, devido a sua complexidade.

A leitura da análise do artigo BC&H Um Projeto de formação universitária para o século XXI pode ajudar a compreender qual é o aluno que a UFABC quer formar e a influência que isso pode ter em nossas vidas.

Link: Artigo

Tem sido disseminada a ideia de liberdade acadêmica em nosso meio. Gostaria de lembrar que nossa liberdade, têm limitações que nem sempre são claras para todos os alunos. Não é possível cursar quantos créditos o aluno quiser sem as devidas implicações.

A manutenção de um CR de no mínimo 2, uma quantidade mínima de créditos cursados com aprovação e a presença de disciplinas obrigatórias e de opção limitada servem para dar organicidade ao funcionamento da instituição. Em comparação à outras instituições há avanços consideráveis, por permitir que cada aluno formado na UFABC tenha uma formação única e autônoma.

Críticas aos projetos de cursos interdisciplinares apontam para uma competição que poderia surgir entre os alunos. Embora não considere competição algo ruim, prefiro o conceito de coopetição - cooperar com concorrentes em busca de um objetivo comum. Tenho observado, nas conversas de corredor, na convivência diária e nos relatos de alguns alunos discussões que demonstram que para a escolha dos cursos pós-BC&H e pós-BC&T, de disciplinas e para a solicitação de bolsas há um nível de competição. Desta forma creio que ou alunos sofrem em maior ou menor grau pressões em busca de um desempenho satisfatório.

O ingresso pelo Enem e as cotas ajudam a temperar o cardápio da UFABC. A velha questão sobre se o vestibular é capaz de avaliar o grau de conhecimento dos alunos e prepará-los para a Universidade divide opiniões. Cotas raciais e para alunos de escolas públicas levantam a discussão sobre a qualidade dos cursos e a capacidade de um aluno com uma base deficiente se adaptar a uma instituição de alto nível. Isso não deve ser colocado de lado, pois para um aluno que teve uma boa formação escolar pode haver maior facilidade para acompanhar as disciplinas, já um aluno proveniente de escola pública irá que estudar a nova disciplina e retomar, quando não iniciar a revisão dos conteúdos defasados. Sim, há um abismo entre nós e desconsiderá-lo, fingir que ele não existe, seria uma prática irresponsável e parcial. A colaboração entre alunos, os grupos de estudos, monitorias e o estudo individual são importantíssimos para lidarmos com essa defasagem que parece que está sendo colocada para debaixo do tapete. Da exclusão à excelência há um árduo e penoso caminho a ser trilhado.

O Fator Trabalho/Estudo é outra problemática a que somos expostos, a falta de empatia que alguns professores demonstram em suas exigências com prazos curtos a serem cumpridos, mostra claramente o perfil da UFABC. Universidade de Pesquisa, para alunos com dedicação em tempo integral. Só por analisar o T-P-I já se percebe que em geral, um aluno que têm 20 horas aula deverá ter mais 20 de estudo individual e isso muitos professores levam a sério.

Outro fator de pressão, é a autonomia dos alunos. Com base na ideia de que se deve formar alunos autônomos, há uma carga de horas de estudo extra-classe a ser considerada. Só que autonomia não surge de repente, do nada, muitos acostumados a outros ritmos, a serem tutelados na sua aprendizagem parecem se sentir perdidos diante desta situação.

A interdisciplinariedade, palavra que já está vulgarizada, batida e muitas vezes desacreditada por muitos é um desafio que nos é dado para ser trabalhado. Nossos professores em sua maioria tiveram uma sólida formação por instituições tradicionais em um modelo de ensino que sofreu muitas críticas por promover a especialização excessiva e a falta de diálogo entres os saberes tão importante para lidarmos com as questões atuais. Ao chegarem na UFABC se deparam com um novo mundo a ser construído e muitas vezes enfrentam dificuldades frente ao "caos" deste novo modelo. Uns irão ficar na retaguarda e usarão toda a sólida experiência e formação para garantirem o status quo, outros timidamente irão aceitar a abertura ao diálogo e uns poucos irão encarar a proposta como um objetivo fundamental a ser alcançado. Responsabilizar os professores pelo sucesso ou não de um projeto é ato comum na área de Educação. Eles são materias, próximos à nossa vida diária e tem um papel importante na formação das políticas da instituição. Mas considero que no projeto da UFABC, os alunos que são os protagonistas dessa história. Além do mais, o docente trabalha com as condições que lhe são dadas, o que remete ao questionamento de como a UFABC está estruturada para dar meios para a implementação do projeto pedagógico.

Interdisciplinariedade é mais que um conceito teórico abstrato, é uma prática diária, é assumir riscos de inovar, abrir mão de algumas certezas e permitir construir algo novo inédito, que será criticado pelo mainstream acadêmico, que deverá ser revisto, reformulado continuamente, que não conseguirá mais dar as "respostas" que os modelos e teorias de uma prática acadêmica antiga permitia. Um ponto crítico a ser considerado é: como realizar um trabalho interdisciplinar sem perder o foco do estudo e conseguir produzir algo útil para a ciência? Como não se perder em meio a essa prática? Ainda não há experiências sólidas ou exemplos a serem seguidos. Em especial a UFABC está na vanguarda nesta área e os possíveis frutos de nossa experiência servirão como base para a aceitação ou abandono desta nova forma de trabalho. Espero que num futuro próximo instituições tradicionais e novas, possam compartilhar frutos de práticas científicas e pedagógicas e que desse diálogo possa surgir uma constante renovação de nossas Universidades, renovação essa tão necessária para que a Universidade abra suas portas e possa interagir com a sociedade que a circunda.

Para finalizar gostaria de citar uma frase que eu considero o pilar do artigo BC&H Um Projeto de formação universitária para o século XXI: "Preparar indivíduos para viverem numa sociedade do conhecimento, mas sem verdades."

Ficam as questões:

- Até que ponto estamos preparados para essa pedagogia da reflexão?
- Será que conseguimos nos desarmar a ponto de ouvir verdadeiramente críticas e analisá-las sem necessariamente desqualificar nossos colegas, permitindo que surja uma ambiente de coopetição produtiva?
- Será que deixarmos um pouco de lado nossas "verdades" e absorvermos um pouco dos absurdos alheios?
- Há um diálogo com nossos colegas ou uma luta fratrícida entre nós para impormos nossas opiniões?
- Buscamos na literatura científica, nos estudos a compreensão do mundo que nos rodeia ou apenas cumprimos nossas obrigações acadêmicas, como um bom funcionário que cumpre suas tarefas mas é incapaz de inovar, rever ou mesmo assumir novas posições?

Se são perguntas que movem o mundo eu não sei, mas depois delas as coisas não serão como antes.

(Amo a instituição que escolhi para estudar, considero seu projeto compatível com meus objetivos pessoais e espero poder pensar e agir livremente de forma crítica sobre todas as questões que me rodeia e poder contribuir para que "a Universidade de Ponta para o Século XXI" não seja apenas uma frase vazia.)

2 comentários:

Rogerio dos Santos Munhoz disse...

é o que tem pra hoje!
Muito grande o seu texto! Recuso-me a lê-lo!

Pedro L P Sanchez disse...

Oh Andres Athenaioi,

Os romanos aproveitaram os frutos da cultura grega, porém por razões políticas e sociais preferiam desprezar os helênicos.

Este comentário do Rogério imediatamente me lembrou de uma postura comum dos romanos diante dos textos gregos, muito superiores a qualquer coisa produzida em Roma até então.

"Graecum est, non legitur". Se é grego, é ilegível. Sem exceção, independentemente do valor, se há alguma dificuldade de leitura, não merece ser lido.

Espero que Rogério estivesse sendo jocoso, e ao longo da vida faça um bom proveito do artigo.

kaire,